Resenha “Noites Brancas”, Fiódor Dostoiévski

Dostoiévski

Resenha “Noites Brancas”, Fiódor Dostoiévski

Para onde vão os seus sonhos?
Eles quebram a superfície da realidade ou morrem nas profundezas da fantasia?

De enredo singelo e reflexão profunda, “Noites Brancas” pode ser considerada como a mais romântica obra de Fiódor Dostoiévski. A história se passa no verão de São Petersburgo — antiga capital do Império Russo — , o título diz respeito ao fenômeno que ocorre nos meses de junho e julho, no qual o sol se põe um pouco abaixo da linha do horizonte, fazendo com que a claridade permaneça mesmo durante a noite.

O embranquecimento das noites e o clima de partida provocado pelas férias de verão transportam o leitor para a atmosfera solitária construída no enredo. A escrita singular de Dostoiévski abre espaço para reflexões e constatações históricas, já que sua ambientação é um retrato e uma interpretação do autor sobre a sociedade russa do século XIX.

A narrativa é contada do ponto de vista do Sonhador, personagem que se comunica com o mundo ao seu redor a partir de uma perspectiva única, fazendo amizades com até mesmo com as casas e prédios ao seu redor. Contudo, apesar da vivacidade do seu mundo interior, o personagem é um solitário e passa a maior parte dos seus dias dialogando e divagando consigo mesmo. O personagem, inclusive, sequer possui um nome oficial, sendo conhecido apenas pela característica que mais o define.

Os dias — ou melhor, as noites — do Sonhador são mudadas quando, por circunstâncias atípicas, ele conhece a jovem Nastienka, que surge como uma resposta a sua solidão. O leitor então mergulha nos diálogos entre dois, que compartilham suas histórias e seus profundos conflitos internos, sentindo o peso da esperança.

Embora Dostoiévski seja conhecida pelas suas obras de caracter obscuro e crítico, Noites Brancas é uma novela leve e curta, porém traz à tona o contraste entre os sonhos e a realidade. São diversas as interpretações que podem ser consideradas, talvez como um simples romance, ou como uma metáfora para algo a mais. Contudo, é interessante apreciar como, em pequenos detalhes, o Sonhador é realmente o representante perfeito para a característica que o rotula.

Sua relação com o mundo é curiosa e interessante, apesar da introspecção, a visão do Sonhador é viva. A conexão estabelecida com a cidade, atribuindo personalidade até mesmo a objetos, beira a fantasia, mas é criativa e única. Realmente, é como um sonho, que qualquer um de nós da espécie humana somos capazes de experienciar.

“Eu sou um sonhador; tenho tão pouca vida real que eu, minutos tais como este, como agora, conto tão raramente, que não posso deixar de repetir esses minutos nos meus devaneios.”

O livro pode ser entendido como duas fases: o sonho e o despertamento. E é daí que vemos o contraste. Acordar de um sonho significa abandonar as ideias fantasiosas e encarar a realidade, que nem sempre se apresenta com cores e tamanha vivacidade.

Uma obra tão curta, mas que carrega consigo diversas possibilidades de mensagens; sonhos, solidão, amizade e esperança. E o que fazer quando nada disso aparece em nossos caminhos? Talvez seja esse então o maior questionamento da obra: onde estão os nossos sonhos? o que estamos fazendo com os anos que estamos vivendo? como seguir sem esperança? e o que é a vida quando está permeada pela solidão?

Tão pesado quanto a morte, é o peso de uma vida que não vivida. Talvez seja isso que impacte tanto quanto pensamos no ato de sonhar, a possibilidade de realmente viver os nossos sonhos. Viveremos, ou seremos fadados a meros sonhadores?

“E você se pergunta: onde é que estão os seus sonhos? aí você balança a cabeça e diz: como os anos passam depressa! E outra vez se pergunta: o que foi que você fez com os seus anos? onde você enterrou sua melhor época? Você viveu ou não viveu? Olhe, você diz a si mesmo, olhe como o mundo está ficando frio”.

Como uma tela em branco esperando para ser pintada, a realidade se transmuta de diferentes maneiras, sendo singular para cada ser vivente. E o que seria deste real sem os sonhos? A vida sem sonhos perde a cor. E a mensagem que fica, por incrível que pareça, não é de tristeza ou desilusão, mas de esperança. É uma boa introdução para o leitor que deseja conhecer a literatura russa.

Quão cinza seríamos sem sonhar, e quão solitários são os sonhadores!

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